Seja de fins naturais, sociais e até mesmo econômicos, as crises são eventos que sempre estiveram presentes na trajetória humana. Mas, mais do que apenas situações ruins, elas nos ofereceram a oportunidade de crescer como sociedade. Mas como?
A própria etimologia da palavra “crise” já nos passa essa impressão de mudança. Ela carrega o significado de “crisálida, que alude a ‘metamorfose’ e a’“transformação’”, e é exatamente isso que acontece conosco em períodos difíceis.
Nessas crises extremas, a mudança e reinvenção deixam de ser uma opção, se transformando em uma necessidade de adaptação para que possamos superar as dificuldades.
Também é durante essas crises que as maiores falhas nos sistemas políticos, sociais e econômicos em que vivemos se escancaram. Isso nos permite os reinventarmos, ou até mesmo os destruir para começar algo novo.
Estamos vivendo um desses momentos. A crise do novo coronavírus (covid-19) está abalando a forma que trabalhamos e nos relacionamos. Essa crise irá gerar grandes impactos na nossa sociedade, mas precisamos nos manter otimistas. Existe uma luz no fim do túnel e, com base em crises passadas, sairemos disso mais fortes.
Veja algumas delas.
A maior das crises econômicas: a Grande Depressão
Até 1929, os Estados Unidos viviam uma época de ouro. A economia do país não poderia estar melhor. As taxas de desemprego estavam abaixo de 5% e a produção industrial aumentava a cada dia. Só a Ford Motor Company, sediada na cidade de Detroit, produzira 1,5 milhão de carros naquele ano.
O estilo de vida da sociedade da época não ficava para trás. As cadeias produtivas (alavancadas pelo sistema criado por Henry Ford, o ‘fordismo’) produziam cada vez mais produtos. Como consequência, a oferta aumentava e os preços caiam. A população vivia uma época de consumo desenfreado.
Outra atividade econômica que bombava na época era a bolsa de valores. Milhares de norte-americanos viam no mercado especulativo uma oportunidade de ganhar dinheiro de maneira rápida e fácil. Logo, era comum ver pessoas investindo todas suas economias nesse tipo de transação.
Diante tanta euforia, alguns especuladores criaram um sistema um tanto quanto inescrupuloso. Eles fundavam empresas cujo único objetivo era comprar e vender ações de outros negócios. Essas, por suas vez, adquiriram papéis de outras, e assim por diante.
Ao mesmo tempo que são incapazes de gerar lucro, as ações dessas empresas possuiam um valor na bolsa. Se você tem um conhecimento básico de economia, sabe onde isso deve levar: crises e mais crises.
A quebra da bolsa de Nova York
Para entender a complexidade da situação, é preciso entender como se ganha dinheiro com ações. Ao comprar uma ação, você se torna “dono” de parte dessa empresa. Logo, você têm o direito de receber uma parcela dos lucros, equivalente à quantidade de ações que você possui.
Mas a maioria das pessoas não ganha dinheiro dessa forma, mas vendendo as ações por um preço maior do que as comprou para outras pessoas. Entretanto, o que aconteceria se o preço dessas ações começasse a cair? As pessoas iriam tentar vendê-las, mas ninguém vai querer comprar uma ação que não vale nada, não é mesmo?
No caso da bolha especulativa de 1929, além de não conseguir vender essas ações, as pessoas também não iriam receber nenhum lucro daquelas empresas. Afinal, eram empresas que não produziam exemplarmente nada. Ou seja, a ação perde todo seu valor e, como consequência, você perde todo o dinheiro que gastou ao comprá-la.
No jargão econômico, essa situação é chamada de “bolha especulativa”. É como se você vendesse um sapato que não existe para uma pessoa pela internet. O sapato gera dinheiro, mas caso alguém queira de fato usar esse sapato, vai descobrir que ele não existe e que investiu seu dinheiro em nada.
Em resumo, foi isso que aconteceu na bolsa de Nova York no dia 29 de outubro de 1929. Uma por uma, o valor das ações começaram a cair, levando junto com elas o dinheiro de seus investidores.
Sem esse dinheiro, as pessoas não conseguiam pagar suas dívidas. Patrões não conseguiam pagar funcionários. Produtores não conseguiam comprar matéria-prima. A crise que abateu o mercado acionário foi se espalhando por todos os aspectos da economia dos Estados Unidos e, por fim, do mundo.
Apenas naquele ano, o PIB dos Estados Unidos caiu aproximadamente 50%.
Uma economia mais forte
Os efeitos foram devastadores. Queda de preços, falências, diminuição na produção e mais de 30 milhões de desempregados no conjunto dos países capitalistas. Nos centros financeiros de todo mundo, investidores desesperados cometiam suicídio naquela que ficou conhecida como “quinta-feira negra”.
A lições aprendidas com essa crise foram enormes. Órgãos de controle foram criados para administrar a entrada de novas empresas em bolsas de valores. O sistema de produção ‘fordista’, que priorizava a quantidade acima de tudo, entrou em declínio.
Outras inúmeras mudanças econômicas se seguiram, principalmente no que diz respeito à criação de órgãos reguladores do mercado. Mas, talvez a mudança mais impactante tenha sido a da estrutura social. Diversas pessoas perderam emprego, acentuando a desigualdade social.
A confiança da população no sistema bancário também foi abalada, criando pessoas mais financeiramente conscientes e comedidas. O consumismo desenfreado, marca até então da sociedade norte-americana, foi perdendo cada vez mais força.
Por fim, em todo o planeta, governos começaram a criar subsídios que mais tarde seriam conhecidos como “seguro-desemprego” e similares. O estado começou a dar mais amparo para a população.
Por mais complicada que a situação tenha sido, a sociedade persistiu. Aprendemos com nossos erros para criar uma economia mais segura e sólida.
A Segunda Guerra Mundial

Você provavelmente deve conhecer como se sucederam os eventos que levaram à Segunda Guerra Mundial, o maior conflito armado de toda história da humanidade.
Para se ter um ideia, o conflito contabilizou um gasto total de 413 bilhões de libras, fabricou mais de 296 mil aviões e 53 milhões de toneladas de equipamentos navais. Por todo o mundo, cerca de 45 milhões de vidas foram ceifadas, sendo a grande maioria de inocentes. Foi uma das maiores crises que a sociedade já experimentou.
Países inteiros ficaram devastados, famílias foram destruídas e os impactos econômicos do conflito permaneceram por décadas. O mundo nunca mais foi o mesmo.
Mas, no meio de uma situação tão complicada, a sociedade encontrou espaço para evoluir. A Segunda Guerra Mundial, e a seguinte criação da Organização das Nações Unidas, criou uma aversão global à violência.
A partir daquele momento, os conflitos armados entre países – que até então eram extremamente comuns – passaram a ser evitados a todo custo pelos governos.
Com tantas crises, aprendemos a valorizar a vida
Apesar da Guerra Fria ainda representar uma ameaça à paz global, o número de mortes por conflitos armados caiu consideravelmente. Segundo um levantamento do Center for Systemic Peace, no transcorrer entre as duas guerras mundiais, a humanidade perdeu 70 milhões de vidas.
A partir de 1945 até a queda da União Soviética, em 1992, esse número caiu para cerca de 17 milhões. Desse período até 2003, apenas 3 milhões de vidas foram perdidas devido a conflitos armados.
Quando comparamos a dinâmica diplomática atual, percebemos a importância que o diálogo obteve nas negociações entre países. São raros os casos em que a violência se torna a principal estratégia, sendo que sanções econômicas se tornaram a maior forma de pressão entre nações.
Podemos considerar que a barbárie desse conflito permitiu crescermos como seres humanos. Cada vez mais, começamos a repudiar discursos autoritários que ameaçavam minorias. Estados arbitrários começaram a sofrer pressão da comunidade internacional e a vida passou a ser mais valorizada.
Hoje, as coisas não são perfeitas. Ainda estamos em um constante processo de amadurecimento. Entretanto, os horrores da guerra foram o primeiro passo para que a humanidade criasse uma característica essencial: a empatia.
A gripe espanhola de 1928
Em 60 dias, uma pandemia conseguiu deixar um rastro de 35 mil mortes no Brasil. O resultado foram caixões empilhados em cemitérios, escolas sem aulas, o comércio fechado e uma grande crise econômica.
O ano era 1918 e o mundo sofria com a gripe espanhola, que até hoje é considerada por infectologistas “a maior das crises médicas da história”.
Surgida em um acampamento militar no estado norte-americano do Kansas, a epidemia exaltou a fragilidade social que certos países sofriam.
Pessoas, que já sofriam com a falta de alimentos, tiveram todos suas fontes de renda esgotadas. A falta de saneamento básico em algumas regiões, não colaborou, impulsionando ainda mais o alastramento da doença.
Apesar de deixar uma grande marca de horror na humanidade, até mesmo esse episódio criou lições que reverberam até hoje.
Todo esse cenário impulsionou a criação de autoridades nacionais de saúde. No Brasil, foi fundado o DNSP, que acumulava as funções que o Ministério da Saúde empenha hoje em dia.
O zelo pelo conhecimento científico foi um dos principais legados dessa pandemia, que durou até 1920. Com ele, a população se conscientizou sobre a importância de vacinas. Fato que permitiu que erradicássemos doenças como a varíola, em 1971, e a poliomielite em 1994. É impossível mensurar quantas vidas foram salvas por esse fato.
Acima de tudo, a gripe espanhola passou uma mensagem de esperança e resiliência para a humanidade. Em um dos piores cenários, com o mundo ainda se recuperando dos impactos da Primeira Guerra Mundial, foi possível resistir e lutar contra um novo inimigo – que, dessa vez, era invisível e silencioso.