Imagine trabalhar em uma empresa onde não existem chefes e RH. A primeira imagem que deve ter vindo à sua mente é um ambiente desorganizado e improdutivo, mas a realidade não é bem assim. Existe até uma ciência por trás desse tipo de trabalho: a holocracia.
A holocracia é um sistema de “governança organizacional”, que é basicamente como os gestores lidam com a estrutura de trabalho de uma empresa. Nele, uma série de regras são estipuladas para coordenar o processo de trabalho. Entretanto, nele não existe uma figura de autoridade para impor o cumprimento de tais regras, sendo que a autonomia para isso reside em cada funcionário.
Parece loucura, não é mesmo? Mas já existem empresas que adotaram a Holocracia como seu modelo de gestão. Uma delas é a Zappo, gigante de varejo controlada pela Amazon. Em 2014, eles anunciaram a adoção dessa nova estratégia.
Na ocasião, o CEO da empresa, Tony Hsieh, contou que sua intenção era aproximar a organização da empresa do que aconteceu com as primeiras cidades do mundo. Apesar de não possuírem um planejamento central, esses centros urbanos experimentaram um crescimento acentuado devido ao interesse individual de seus cidadãos em serem produtivos. “Toda vez que uma cidade crescia de tamanho, cada cidadão tinha sua produtividade aumentada em cerca de 15%”, diz em entrevista para o portal Inc.
Inicialmente, a ideia gerou interesse no grande público. Em 2014, o termo “Holocracia”, que até então havia sido ignorado pelos internautas, virou uma tendência de buscas no Google. Mas, segundo Pepijn van de Kamp, pesquisador da Universidade de Amsterdam, a ideia não começou com a Zappo.
De onde vem a holocracia?
Em fevereiro de 2001, no estado norte-americano de Utah, uma série de engenheiros de software se uniram com um propósito: criar uma nova forma de trabalho. O resultado dessa união foi o Manifesto de Desenvolvimento de Softwares Ágil.
De acordo com Pepijn, em seu estudo “Holocracia, uma forma radical de design organizacional”, em vez de seguir todo um planejamento e entregar o projeto em um prazo estipulado, o Manifesto Ágil previa dividir o processo produtivo em pequenas interações. Dessa forma, a produção é fragmentada, permitindo que os engenheiros possuíssem mais flexibilidade.
Essa forma de trabalho menos enrustida também trazia outras vantagens. Com o processo Ágil, o desenvolvimento do software não seguiria um planejamento fixo, mas descentralizado. Dessa forma, os engenheiros poderiam lançar novas ideias sob o projeto durante o desenvolvimento, permitindo que a ideia se adaptasse melhor às mudanças tecnológicas da época.
Outros mercados seguiram o caminho criado por esse movimento. Afinal, como outras práticas e processos poderiam se beneficiar das ideias do Manifesto? Que tipo de resultados poderiam ser obtidos com essas práticas?
Não foi muito depois da introdução do Manifesto Ágil que Brian Robertson começou uma nova empresa de softwares, a Ternary Software. A grande diferença, entretanto, estava em seu modelo organizacional. Em vez de seguir aqueles que já eram práxis no mercado, Robertson decidiu levar as ideias dos engenheiros de Utah aos limites. Foi assim que nasceu a holocracia.
Muito antes da Zappos, pequenas e médias empresas, sendo a maioria do setor de tecnologia, começaram a adotar a prática. Mas a atenção da mídia (e do grande público) só chegou, de fato, com a adoção da holocracia pela gigante do varejo.
Como funciona e quais são os benefícios da holocracia?
Segundo o estudo de Pepijn, a holocracia promete resultados voltados à melhor adaptabilidade da organização, otimização de tempo e cadeia hierárquica descentralizada. Veja os quatro tópicos separados pelo pesquisador:
- Organização enxuta e adaptável;
- Reuniões altamente efetivas;
- Autoridade distribuída entre os colaboradores;
- Trabalho orientado por objetivos.
Mas não vá pensando que, por não possuir uma estrutura hierarquica, a holocracia é um sistema bagunçado. Muito pelo contrário. Para tal estrutura organizacional funcionar, é necessário todo um aparato e processos próprios.
Primeiramente, a holocracia é dividida é equipes que, por sua vez, praticam uma espécie de “autogestão”. Cada equipe trabalha seguindo um único propósito: o trabalho que precisa ser realizado.
Outra diferença notável desse sistema é que, em vez de cargos, cada funcionário é responsável por uma função. Todos são líderes e completamente responsáveis por sua função, até o momento que esta muda. Para organizar o trabalho, por fim, pessoas designadas para tarefas semelhantes realizam reuniões pontuais. Nelas, a meta é discutir os objetivos e o andamento do trabalho.
A holocracia funciona?
Por falta de exemplos concretos, Pepijn não entra no mérito de se a holocracia funciona em setores mais tradicionais, como construção civil ou produção industrial. Em vez disso, ele foca seu estudo em analisar se a holocracia é aplicável em diferentes negócios da área de desenvolvimento de software.
Nesse caso, é essencial olhar para a estrutura organizacional da empresa. É um ambiente já acostumado com a autonomia de seus colaboradores? Caso a respostas seja negativa, a adoção da holocracia pode trazer problemas. Corporações onde a tomada de decisões é dependente do aval de executivos, por exemplo, podem apresentar problemas para se adaptar.
Linhas de produção ramificadas, onde diferentes tipos de processos são necessários para se chegar ao produto final, também correm riscos em um ambiente holocrático. Nesse caso, é necessário uma coordenação afiada entre os membros de diferentes setores. Para que isso seja possível, figuras mediadores que centralizam a tomada de decisões geralmente são necessárias.
De qualquer forma, o modelo de gestão holocrático joga uma nova luz no mundo corporativo. Ele exalta a importância de um indivíduo dentro de uma corporação, e pode se provar como uma grande lição sobre a necessidade dos gestores valorizarem o bem-estar e opiniões de seus colaboradores.